NOTA TÉCNICA IBDP N. 03/2019 SOBRE A EMENDA 346 NA PEC 06/2019
Sobre a Emenda 346 à PEC 06/2019:
Ela traz a possibilidade de proposição do “instauração de prevenção de litigiosidade”, a qual seria decidida pelo STF, STJ e TJs, naqueles casos em que:
- Haja controvérsia jurídica atual – o que denota a existência de ajuizamento de ações;
- Haja controvérsia jurídica potencial – conceito jurídico extremamente amplo- tais controvérsias deverão versar sobre direito público;
- Que possa acarretar insegurança jurídica;
- Relevante efeito multiplicador de processos sobre questão idêntica.
A competência do STF para o julgamento dessa prevenção de litigiosidade será em casos de matéria constitucional (art. 102, I, “s”, CF). Já a competência do STJ será um pouco mais ampla, para questão federal. Por último, o TJ decidirá sobre as teses que tratem sobre norma de direito local e municipal.
A tese firmada no julgamento da “instauração de prevenção de litigiosidade” terá caráter vinculante para além do poder judiciário. De acordo com o §4º – cuja redação seria inserida mediante aprovação da PEC:
§ 4º A tese firmada no julgamento do incidente de prevenção de litigiosidade, a partir de seu trânsito em julgado, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal.
Críticas:
Já existe a Súmula Vinculante cuja tese torna obrigatória a sua observância perante a administração pública direta e indireta em todas as instâncias. O procedimento que hoje existe garante uma maior rigidez para haja a edição da súmula vinculante e tal rigidez é necessária, pois garante mais segurança e torna excepcional a edição das Súmulas Vinculantes, respeitando a separação de poderes.
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
Assim, a criação de uma súmula vinculante demanda preenchimento de oito requisitos, que estão todos presentes no artigo 103-A da CF/88 e seus parágrafos:
- Aprovação de 2/3 dos membros do STF;
- Tratar de matéria constitucional;
- Existência de controvérsia judicial;
- Controvérsia deve ser atual, ainda não resolvida;
- Controvérsia deve causar grave insegurança jurídica;
- Existência de reiteradas decisões sobre o tema;
- Haver múltiplos processos sobre o tema;
- Esclarecer a validade, interpretação ou eficácia de normas do ordenamento.
O incidente de prevenção de litigiosidade, por outro lado, não teria a mesma rigorosidade no procedimento, não estando delimitado se a maioria simples do STF poderia manter ou modificar uma tese.
Quanto ao incidente em análise, ele poderá ser iniciado por terceiros:
(a) proposto pelos legitimados; e
(b) instaurados por outros tribunais (STJ, TJs, TRFs, etc).
Estes (grupo “b”) poderão “escalar” uma prevenção de litigiosidade que tenha sido proposta no tribunal, levando a questão até o STF, desde que – por óbvio – trate-se de matéria constitucional. Tal entendimento, inclusive, não poderá ser modificado senão pelo próprio STF ou por nova norma a ser editada pelo legislativo.
Cinco pontos saltam aos olhos sobre essa prevenção de litigiosidade:
(a) a vinculação das decisões dos tribunais e administração pública ser ampliada para além do STF em sede de Súmula Vinculante;
(b) o cabimento em casos que a controvérsia jurídica não seja concreta, bastando que seja potencial. Isso impossibilita as discussões, pois levaria a uma diminuição dos debates acerca da tese, bem como a ausência de casos concretos inviabilizaria o conhecimento sobre o substrato fático que pode levar à aplicação da norma. Não se conhecendo a amplitude da aplicação da norma, gera-se ainda mais insegurança;
(c) a amplitude do cabimento dessa prevenção de litigiosidade é maior do que o cabimento do próprio RExt, pois não tem a restrição à repercussão geral. As teses a serem levadas poderiam ser, portanto, bastante específicas;
(d) a simplificação do contraditório e dos debates;
(e) não impedirá a discussão no judiciário, uma vez que será mantido o acesso à justiça. Pelo contrário, a forma como seriam criadas essas teses levariam a uma precária criação de norma que – principalmente, nos casos das controvérsias jurídicas potenciais – teria caráter geral.
Questionamentos:
Se a preocupação é com a diminuição da litigiosidade, por que esses órgãos não buscam uma atuação em conjunto?
Por que esses órgãos não provocam a criação de Súmulas vinculantes?
Se as súmulas da AGU não são respeitadas, por que agora pensa-se na resistência em processos judiciais e na interposição de recursos desnecessários?
Por que não foram trazidos números sobre esses pontos?
Por que não é possível a criação de normativa interna concedendo aquilo que já foi reconhecido no Judiciário?
Por que não se utilizam dos representativos de controvérsia para tais fins?
E, por que não se busca a eficiência da administração como forma de reduzir a litigiosidade?