Notas técnicas

21/10/2020

Nota Pública: A gravosa situação da Previdência Social

NOTA PÚBLICA

A GRAVOSA SITUAÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

 

 

Veiculado pela imprensa de todo o país, o governo anuncia a contratação de 7 mil militares para desafogar quase 2 milhões de pedidos de benefícios aguardando análise do INSS em todo o país.

 

A questão, no entanto, é muito mais gravosa do que se apresenta. Não se trata apenas de contratar os militares para que o número de pedidos seja equalizado em 3 ou 4 meses.

 

As filas do INSS, presenciais ou virtuais, existem há muitos anos e não há previsão de acabarem. Há um milhão de requerimentos por mês no INSS, que tem cerca de 5 mil servidores para analisá-los. Se forem distribuídos 200 processos por mês para cada servidor, será possível analisar em um mês o que entra de pedidos diariamente. Sempre haverá um déficit de processos analisados em relação aos que são requeridos. Claro que há os requerimentos automáticos, mas a complexidade das questões previdenciárias, tais como: CNIS incompleto, extemporaneidade, períodos de trabalho sem CNIS, análises de PPP’s, perícias médicas, carência, qualidade de segurado, dentre outros fatores, exigirão trabalho humano em muitos desses requerimentos. No máximo 20% deles possibilitam a concessão automática, sem necessidade de análise do servidor.

 

Os processos de recursos estão absolutamente parados em todo o país por dois motivos principais.

 

O primeiro, a não comunicação do novo sistema do CRPS (e-sisrec) com o Gerenciador de Tarefas (GET), sistema utilizado pelo INSS para dar andamento aos requerimentos, nem com o sistema PMF Tarefas, de uso dos Peritos Médicos Federais. O INSS utiliza o GET e depois tem que baixar o processo em PDF e usar o e-sisrec para enviar os recursos ao CRPS. O ideal seria um único sistema a ser operacionalizado por todos os órgãos, ou que minimamente eles se comunicassem, agilizando a análise e julgamento dos processos.

 

Como o e-sisrec e o PMF Tarefas não se comunicam, milhares de processos que necessitam de parecer médico em fase recursal estão parados, pois o Peritos Médicos Federais não visualizam os processos no e-sisrec, já que não têm acesso, nem o visualizam no PMF Tarefas, deixando milhares de processos de recurso parados, esvaziando o acervo de processos a serem julgados nas Juntas de Recurso do CRPS. O resultado é a acumulação das demandas recursais sem prazo para serem solucionados. São atualmente mais de 100.000 processos só de matéria médica que aguardam solução.

 

O segundo motivo é a Resolução 687/19 PRES/INSS, de 4 de julho de 2019, o qual estabeleceu pontuação para aferição de produtividade decorrente da conclusão das análises dos processos, compensação previdenciária e apuração de indícios de irregularidade. Exemplificamos: para apuração de irregularidade o servidor ganha 2,0 pontos (a maior pontuação da tabela), enquanto que, para encaminhar um processo de recurso ao CRPS, ele ganha 0,20. Ou seja, o objetivo maior da Previdência hoje é procurar fraude e não solucionar um pedido de benefício sob o viés do seguro social, além de, obviamente, desestimular esse tipo de serviço pelo servidor.

 

A ideia de contratar militares para o atendimento da população é até louvável, mas ao mesmo tempo preocupa, pois a maioria dos beneficiários é pessoa humilde, simples, que mal sabe expressar o que quer. O objetivo é tirar o servidor que hoje está no atendimento para que analise processos internos, esbarra no problema de que esse atendente também não é analista e tampouco conhece dos procedimentos administrativos. Vale lembrar que o INSS é uma máquina de expedir portarias, memorandos, instruções normativas, circulares, impossíveis de serem acompanhadas e estudadas em pouco tempo.

 

A situação a que chegamos era previsível. A abertura de concurso já era para ter ocorrido há anos, quando se sabia da aposentadoria de 50% dos servidores até o final de 2020, após a Gratificação de Desempenho de Atividade do Seguro Social  (GDASS) ter sido alcançada na sua integralidade em 2019 pelos servidores do INSS. Nada ou pouco se fez durante todos estes anos para que a máquina administrativa, enfim, funcionasse com a máxima efetividade.

 

O que vai acontecer daqui para frente é previsível: a análise quantitativa dos pedidos ocasionará indeferimentos em abundância, sobrecarregando, consequentemente, o Conselho de Recursos da Previdência Social e o Judiciário, indo na contramão do objetivo de redução da judicialização anunciado em 2019.

 

A contratação temporária dos militares pode até ajudar num primeiro momento, mas é imperioso que sejam tomadas medidas sérias com relação ao nosso modelo jurisdicional em matéria previdenciária. Isto porque todas as medidas anunciadas pelo INSS nos últimos anos objetivando a efetividade das análises não foram implementadas, sem qualquer justificativa para tanto.

 

Há pouco mais de um ano, por exemplo, a Previdência Social anunciou que passaria a analisar automaticamente a concessão de benefícios em que tivesse em seus sistemas informatizados os dados necessários a concessão, e que a análise ocorreria em 30 minutos. Até agora, essas concessões automáticas não estão ocorrendo a contento. A sua solicitação leva meses para ser analisada. Caso funcionasse reduziria sobremaneira o passivo das análises. O mesmo pode ser afirmado com relação aos recursos administrativos.

 

Assim, seria fundamental que com o anúncio da medida de contratação de servidores militares para auxiliar no atendimento ao INSS, o Governo Federal apresentasse um plano viável para um órgão de fundamental importância ao país, que é a Previdência.

 

O IBDP, enquanto instituição científica do trato da matéria, assim como já fez em outras ocasiões e em outros governos, está à disposição para colaborar nessa questão. Mas não apenas na solução provisória do problema, e sim e principalmente na definitiva, pois os requerimentos administrativos não diminuirão com o avançar dos anos, vez que o Brasil cada vez se consolida como um país de idosos.

 

Chegamos no ápice da ineficiência! Precisamos que a Constituição Federal, em seu Art. 37, seja cumprida! Que seja expedido um decreto sim, mas que cobre efetividade das análises em 45 dias, sob pena de sanção por descumprimento. E que sejam dadas condições para que o servidor possa fazê-lo com calma, com técnica e com eficiência, sem pontuar por espécie ou tipo de serviço, para que não haja escolha, preterindo aqueles com baixa pontuação. Além disso, é preciso equipar tecnicamente as agências, já que em muitas delas, equipamentos básicos, como scanner e HD externo ou mesmo internet de alta velocidade deixam a desejar.

 

Precisamos que as decisões do CRPS sejam cumpridas no prazo regulamentar. Não podemos mais admitir processos em fase de recurso com 3 ou 4 anos, sem solução, muitos deles aguardando cumprimento de diligência nas Agências da Previdência Social há mais de um ano. E outros tantos recursos que foram encaminhados pelo INSS para as Juntas de Recursos.

 

Para todas estas questões, não se trata apenas de contratar 7 mil militares, mas de reestruturar a Previdência Social como um todo, tornando-a um modelo a ser seguido, o que hoje, está muito longe do ideal.

 

O principal e mais preocupante de todos os problemas aqui levantados é com o destinatário: o beneficiário. Os cidadãos que precisam do benefício para garantia de subsistência clamam por uma resposta. Está insustentável a espera por uma solução. Estamos tratando de direitos fundamentais sociais e a impressão que temos é o olhar frio e distante desse destinatário. Tudo se resume a números, orçamentos e pontuações, esquecendo do mais importante desse trabalho: o ser humano.

 

O IBDP, preocupado com as soluções temporárias que estão sendo tomadas, com o problema dos sistemas inoperantes e incomunicáveis, bem como com o possível aumento dos recursos e da judicialização, se coloca à disposição para colaborar no que for preciso para que possamos encontrar um caminho adequado e resolver, definitivamente, estes problemas que se arrastam há muito tempo e que deixam desamparados milhares de cidadãos brasileiros.

 

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Nota originalmente publicada em 15/01/2020.

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