NOTA TÉCNICA 02/2021 – Análise de dados estatísticos do INSS: Benefícios rurais indeferidos
O IBDP- INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO, entidade de cunho cientifico-jurídico, no uso de suas atribuições que tem entre os seus objetivos a produção de material informativo sobre seguridade social e temas jurídicos relacionados, buscando proporcionar conteúdos de acesso universal para a classe de operadores do direito, bem como para a sociedade, vem apresentar análise diante de levantamento de dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Seguro Social, referente ao período de 2010 a 2020.
O presente estudo visa esclarecer possíveis causas para o aumento no indeferimento dos benefícios dos segurados especiais, através do método estatístico com análise diagnóstica.
Conforme texto Constitucional (art. 194) “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Em razão do recorte temático da presente análise, os segurados especiais se encontram inseridos na Previdência Social, com direito a aposentadoria por idade do trabalhador rural, benefícios por incapacidade comum ou acidentário (permanente ou temporária).
O segurado especial “é, dentre todos os tipos de segurado, o que mais apresenta complexidade” (BERWANGER, 2020, p.69), em razão de seu conceito e da forma de comprovação de sua atividade alinhado com entendimentos diversificados nos tribunais brasileiros.
Diante de tal “complexidade”, observamos nos dados apresentados que a mudança legislativa, as “inovações” procedimentais, foram fatores decisivos no aumento dos indeferimentos.
Os dados fornecidos demonstram que o número de benefícios indeferidos superou 3 milhões, com destaque no aumento expressivo no ano de 2018 a 2020, uma ascensão de mais de 91%.
No ano de 2018, conforme apurado pelo INSS, o total de benefícios indeferidos aos segurados especiais correspondeu a 288.429, sendo que, em 2020, chegou a 552.246, conforme se observa no gráfico abaixo:
Diante de tal crescimento, nota-se importantes alterações legislativas que podem ter influenciado nas decisões, até mesmo em razão de adaptação administrativa para desempenhar a tarefa.
Em 07 de agosto de 2017, através da Portaria Conjunta 1/DIRBEN/DIRAT/INSS, ficou dispensada a entrevista rural, o que por certo contribuiu para o respectivo aumento dos indeferimentos, haja vista que, não raras vezes, a atividade rural ficava evidenciada diante dos depoimentos.
Ressalta-se que no ordenamento jurídico brasileiro inexiste hierarquia de provas, logo, a entrevista sempre teve a importância processual para o desfecho de pedidos (administrativo ou judicial) de benefícios rurais.
Em 18 de janeiro de 2019, foi editada a Medida Provisória 871, que instituiu “o Programa Especial para Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade, o Programa de Revisão de Benefícios por Incapacidade, o Bônus de Desempenho Institucional por Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade do Monitoramento Operacional de Benefícios e o Bônus de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade”.
Para subsidiar a presente Medida Provisória, na exposição de motivos, itens 26 e 27 , ficou assim revelado:
A MP também propõe o aperfeiçoamento das regras de comprovação da atividade rural do segurado especial. No relatório de auditoria da CGU nº 20180066, foram identificados indícios de irregularidade em 97.255 benefícios rurais de segurados especiais. Boa parte das irregularidades apuradas referia-se à utilização de declaração de sindicato rural como única prova do trabalho rural.
[…] Para o período anterior, propõe-se a extinção da declaração de tempo rural fornecida pelos sindicatos rurais e homologada pelo INSS como meio de prova, substituindo-a pela autodeclaração homologada por entidades públicas credenciadas pelo Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER) e outros órgãos públicos. Complementarmente, propõe-se incluir expressamente na Lei 8.213, de 1991, como meio de prova do trabalho rural do segurado especial, o Documento de Aptidão do Pronaf (DAP), previsto na Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, unificando políticas rurais da agricultura familiar na busca de informações mais seguras e redução de irregularidades.
A Medida Provisória 871, convertida na Lei 13846/2019, passou a prever “Para o período anterior a 1º de janeiro de 2023, o segurado especial comprovará o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no regulamento” (Art. 38-B).
Em 13 de setembro de 2019, em decorrência da Lei 13.846/2019, foi editado o Ofício-Circular nº 46 /DlRBEN/INSS com orientações aos servidores do INSS para análise da comprovação da atividade de segurado especial e computo dos períodos em benefícios.
Ficou estabelecido que “A comprovação do exercício de atividade rural será feita, complementarmente à autodeclaração de que trata o § 2º e ao cadastro de que trata o § 1º, ambos do art. 38-B desta Lei” (art. 106, Lei 8.213):
Conforme Ofício Circular 46, a partir de 19 de março de 2019, não sendo possível a ratificação da autodeclaração com as informações a partir de bases governamentais, os documentos referidos no art. 106 da Lei nº 8.213, de 1991 e nos incisos I, III e IV a XI do art. 47 e art. 54 ambos da IN 77/PRES/INSS, de 2015 servirão para ratificar a autodeclaração.
Ressalta-se que o acesso às informações se dará pela ferramenta InfoDAP , caso não exista êxito, promoverá outras pesquisas .
Veja-se que a análise aos benefícios a partir da MP 871, a conversão na Lei 13.846, bem como a edição do ofício circular 46, trouxe complexidade nas análises em razão de necessidade de busca por base de dados do Governo Federal, sendo que o segurado especial, ainda, está sujeito a elevados índices de informalidade e baixa escolaridade para assimilar tais procedimentos.
Portanto, vale mencionar que o trabalhador rural, em destaque o segurado especial, teve uma proteção social lenta e tardia, conquistada através de reivindicações e manifestações sociais. Assim, burocratizar as normas administrativas não revela o sentido de proteção social em que a lei foi criada e que desaguará no Judiciário Brasileiro.
Diante do exposto, conclui-se pela necessidade de ajuste das normativas de análise dos benefícios dos segurados especiais, harmonizando o entendimento administrativo com judicial e primando pela ampla produção de prova.