Notas técnicas

09/03/2021

NOTA TÉCNICA 03/2021 – Análise de dados estatísticos do INSS: Indeferimentos de benefícios para mulheres

O IBDP- INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO, entidade de cunho cientifico-jurídico, no uso de suas atribuições que tem entre os seus objetivos a produção de material informativo sobre seguridade social e temas jurídicos relacionados, buscando proporcionar conteúdos de acesso universal para a classe de operadores do direito, bem como para a sociedade, vem apresentar análise diante de levantamento de dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Seguro Social, referente ao período de 2010 a 2020.

O presente estudo visa esclarecer possíveis causas para o aumento no indeferimento dos benefícios destinados às mulheres, através do método estatístico com análise diagnóstica.

Para entender a problemática previdenciária que envolve as mulheres, é preciso partir do contexto histórico, lembrando que a participação feminina no mercado de trabalho tomou força representativa tardiamente.

Até meados dos anos de 1970, a entrada da mulher no mercado de trabalho não era tão significativa, prevalecendo a tradição cultural que considerava o homem como provedor e a mulher como responsável pelos cuidados da família, com a educação dos filhos e pelos afazeres domésticos.

E mesmo hoje, com a modernização cultural, de costumes e do aumento da participação feminina no mercado de trabalho, observa-se, sob qualquer aspecto de análise, que as mulheres continuam trabalhando em condições desiguais e refletidas diretamente em seus rendimentos, planos de carreira mais curtos e períodos de atividades parciais e interrompidos.

Segundo dados do IBGE, em 2019 as mulheres dedicaram aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens (21,4 horas contra 11,0 horas)[1].

Nesse contexto singular que envolve as mulheres, observamos nos dados apresentados que nos últimos 10 anos o número de indeferimentos de benefícios previdenciários destinado às mulheres, foi sempre maior se comparado aos homens.

Os dados fornecidos demonstram um aumento nos anos de 2019 a 2020, chegando a mais de 2,4 milhões de negativas.

 

Isso ocorre, porque as barreiras e dificuldades enfrentadas pelas mulheres ao se estabelecer no mercado de trabalho, acarreta, consequentemente, em maiores dificuldades de alcançar os requisitos mínimos necessários para obtenção de um benefício previdenciário.

A exemplo disso, temos a Aposentadoria por Idade como sendo a espécie mais comum entre as aposentadorias das mulheres, justamente pela dificuldade de somar/alcançar mais tempo de contribuição.

Esse crescimento nos números de indeferimentos dos últimos dois anos pode ter sido influenciado pela última e importante alteração legislativa: a Reforma da Previdência ocorrida em 2019 – E.C.103/2019, que trouxe regras gerais e também regras transitórias mais exigentes especialmente para as mulheres.

A aposentadoria por Tempo de Contribuição, por exemplo, foi extinta e a idade mínima para que as mulheres alcancem a aposentadoria aumentou de 60 para 62 anos, enquanto que a do homem permaneceu nos atuais 65 anos.

Mesmo com as regras de transição que, teoricamente servem para possibilitar o alcance dos requisitos para quem já estava no sistema, por serem crescente, dificulta o cumprimento dos requisitos. É o que ocorre quando a segurada pensa que cumpriu os requisitos para aposentar-se, mas na verdade, precisa de um pouco mais.

Observa-se, ainda, que as alterações legislativas com mudanças mais rígidas para os requisitos de benefícios para as mulheres, refletem no aumento dos indeferimentos de outros benefícios como o salário maternidade e pensão por morte.

É possível notar os mais de 416.000 indeferimentos de benefícios de salário maternidade entre 2019 e 2020, que atinge mais que o dobro se comparado ao ano de 2015.

 

Esse expressivo crescimento é decorrente de fatores como a instabilidade e contratação precária no mercado de trabalho, que acarreta e reflete no não recolhimento de contribuição previdenciária, além das alterações legislativas e da reforma trabalhista recentemente implantada, que resultam na dificuldade de a mulher alcançar os requisitos mínimos para os benefícios.

Percebe-se, ainda, que entre as mulheres empregadas que possuem crianças com até 3 anos de idade vivendo no mesmo domicílio é de 54,6%, proporção abaixo dos 67,2% daquelas que não possuem crianças nessa idade. Para os homens, o nível de ocupação é maior entre os homens com crianças de até 3 anos de idade sob o mesmo domicílio, alcançando a diferença entre os gêneros nesse aspecto de 34,6% em 2019.[2]

Isso resulta em maiores dificuldades para as mulheres realizarem as contribuições previdenciárias de forma regular ao longo da vida. Destacando-se como causa principal o desequilíbrio de gênero na divisão dos trabalhos, ainda existentes e resistentes nos dias atuais, refletindo na diferença de condições de acesso e inserção das mulheres no mercado de trabalho em relação aos homens e, por consequência, também nas condições de acesso aos benefícios.

Segundo a estatística de gênero e indicadores sociais das mulheres no Brasil, publicado pelo IBGE em 2019[3], nesse mesmo ano a taxa de participação das mulheres com 15 anos ou mais de idade na força de trabalho foi de 54,5%, enquanto entre os homens essa porcentagem chegou a 73,7%, uma diferença de 19,2 pontos percentuais. O que demonstra que o patamar elevado de desigualdade se manteve ao longo da série histórica.

Outro importante indicador de nível de ocupação das mulheres na idade entre 25 a 49 anos é a presença de crianças com até 3 anos de idade vivendo no mesmo domicílio. Entre aquelas que possuem crianças nesse grupo etário, a proporção das que estão empregadas é de 54,6%, abaixo dos 67,2% daquelas que não possuem crianças. Uma diferença de 34,6 pontos percentuais para a mesma situação no caso dos homens.

Por fim, para que haja o mínimo de equilíbrio entre essas desigualdades, é preciso que haja sistemas previdenciários solidários, que guardem regras mais flexíveis de acesso a benefícios, a fim de estender a proteção social para aquelas que refletem o sinônimo de força, determinação, amor e coragem – as mulheres.

 

Bruna Martos

 

[1] Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019.
   Site: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html?=&t=conceitos-e-metodos
[2] Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019.
   Site: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html?=&t=conceitos-e-metodos
[3] Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019.
   Site: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html?=&t=conceitos-e-metodos
[4] Advogada, Especialista em Direito Previdenciário, Coordenadora Adjunta Regional do IBDP.

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