A assist\u00eancia social ser\u00e1 prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribui\u00e7\u00e3o \u00e0 seguridade social, e tem por objetivos: \u201c[….] a garantia de um sal\u00e1rio m\u00ednimo de benef\u00edcio mensal \u00e0 pessoa portadora de defici\u00eancia e ao idoso que comprovem n\u00e3o possuir meios de prover \u00e0 pr\u00f3pria manuten\u00e7\u00e3o ou de t\u00ea-la provida por sua fam\u00edlia<\/em>, conforme dispuser a lei\u201d. (CF, art. 203, V).<\/p>\n \u00c9 \u00f3bvio que tal dispositivo carece de media\u00e7\u00e3o legislativa, com especial aten\u00e7\u00e3o para o conceito de \u201cincapacidade econ\u00f4mica\u201d. Nesse sentido, o que observa as seguintes mudan\u00e7as no sistema normativo (infraconstitucional):<\/p>\n Lei 8.742, de 07 de novembro de 1993:<\/p>\n <\/p>\n Art. 20 (\u2026) \u00a7 3\u00ba Considera-se incapaz de prover a manuten\u00e7\u00e3o da pessoa portadora de defici\u00eancia ou idosa a fam\u00edlia cuja renda mensal per capita seja inferior a \u00bc (um quarto) do sal\u00e1rio m\u00ednimo<\/em>.<\/p>\n <\/p>\n Lei 13.981\/2020, promulgada em 24 de mar\u00e7o de 2020:<\/p>\n <\/p>\n Art. 20 (\u2026) \u00a73\u00ba Considera-se incapaz de prover a manuten\u00e7\u00e3o da pessoa com defici\u00eancia ou idosa a fam\u00edlia cuja renda mensal per capita seja inferior a \u00bd (meio) sal\u00e1rio-m\u00ednimo.<\/em><\/p>\n Por \u00faltimo, a Lei 13.982, de 2 de abril de 2020, que conferiu nova reda\u00e7\u00e3o ao art. 20, \u00a7 3\u00ba, da Lei n 8.742\/1993. Nesse novo ato normativo, o Presidente da Rep\u00fablica vetou a proposta de altera\u00e7\u00e3o do inciso II do \u00a7 3\u00ba do art. 20 dessa lei. N\u00e3o obstante, a quest\u00e3o da renda mensal ainda \u00e9 pass\u00edvel de aprecia\u00e7\u00e3o pelo Congresso Nacional.<\/p>\n Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Medida Cautelar Na Argui\u00e7\u00e3o De Descumprimento De Preceito Fundamental 662 Distrito Federal, determinou a suspens\u00e3o da efic\u00e1cia do art. 20, \u00a7 3\u00ba, da Lei 8.742, na reda\u00e7\u00e3o dada pela Lei 13.981, de 24 de mar\u00e7o de 2020, enquanto n\u00e3o sobrevier a implementa\u00e7\u00e3o de todas as condi\u00e7\u00f5es previstas no art. 195, \u00a75\u00b0, da CF, art. 113 do ADCT, bem como nos arts. 17 e 24 da LRF e ainda do art. 114 da LDO.<\/p>\n Aqui os argumentos contr\u00e1rios a amplia\u00e7\u00e3o da renda mensal per capita para 1\/2 (meio) sal\u00e1rio-m\u00ednimo carecem da clareza e objetividade.<\/p>\n A assist\u00eancia social visa proteger aqueles que n\u00e3o possuem renda para a pr\u00f3pria subsist\u00eancia ou fam\u00edlia que os sustente, sendo o benef\u00edcio assistencial o modo mais espec\u00edfico de implementa\u00e7\u00e3o das iniciativas do Poder P\u00fablico e da sociedade em favor das pessoas (n\u00e3o seguradas da previd\u00eancia social) portadoras de defici\u00eancia e aos idosos (com mais de 65 anos de idade).[1]<\/a><\/p>\n O Benef\u00edcio de Presta\u00e7\u00e3o Continuada possui crit\u00e9rios control\u00e1veis e confi\u00e1veis, que autorizam sua concess\u00e3o no caso concreto.<\/p>\n Ao contr\u00e1rio do que restou expresso na referida decis\u00e3o do Min. Gilmar Mendes, existem julgados nos quais se analisou a aplicabilidade do\u00a0 art. 195, \u00a7 5\u00ba, da CF ao benef\u00edcio em foco. Nesse n\u00edvel, \u00e9 importante a distin\u00e7\u00e3o entre benef\u00edcios previdenci\u00e1rios e assistenciais. Nos benef\u00edcios (previdenci\u00e1rios) programados \u00e9 poss\u00edvel se estabelecer linearmente algo esperado, o que acarreta na clara visualiza\u00e7\u00e3o de uma rela\u00e7\u00e3o entre custeio e benef\u00edcio. Analisando a quest\u00e3o sob um vi\u00e9s acad\u00eamico, F\u00e1bio Zambitte resumiu muito bem a l\u00f3gica do sistema:<\/p>\n Quanto mais previs\u00edvel for a presta\u00e7\u00e3o e quanto mais for o sistema vinculado ao tradicional sistema de seguro social, mais evidente ser\u00e1 a rela\u00e7\u00e3o jur\u00eddica \u00fanica. Ao rev\u00e9s, quando maior a imprevisibilidade da presta\u00e7\u00e3o, e quanto maior a solidariedade do sistema, menor ser\u00e1 a rela\u00e7\u00e3o entre custeio e benef\u00edcio, individualmente considerada.[2]<\/a><\/p>\n Tanto a incapacidade para a vida independente e para o trabalho como a incapacidade econ\u00f4mica est\u00e3o numa dimens\u00e3o de \u201cnatureza\u201d n\u00e3o programada, afinal, ningu\u00e9m quer ficar deficiente, depender da assist\u00eancia de terceiros e, tampouco, em situa\u00e7\u00e3o de risco social. Por outro lado, todos esperam envelhecer e se aposentar – \u00e9 algo diferente. Essa diferencia\u00e7\u00e3o entre benef\u00edcios previdenci\u00e1rios e assistenciais, de natureza programada ou n\u00e3o programada, \u00e9 de extrema import\u00e2ncia para se pensar a possibilidade de amplia\u00e7\u00e3o da renda mensal, n\u00e3o apenas do ponto de vista do debate acad\u00eamico. Em muitos casos, o benef\u00edcio assistencial surge em ordem sucessiva (subsidi\u00e1ria) em rela\u00e7\u00e3o ao benef\u00edcio previdenci\u00e1rio, porquanto invocado nos casos de perda da qualidade de segurado ou aus\u00eancia de tempo de contribui\u00e7\u00e3o suficiente, enfim, quando a pessoa n\u00e3o est\u00e1 protegida pela previd\u00eancia social e, cumulativamente, encontra-se em situa\u00e7\u00e3o de vulnerabilidade social e\/ou de miserabilidade.<\/p>\n In\u00fameras s\u00e3o as decis\u00f5es judiciais pautadas pela an\u00e1lise do ac\u00f3rd\u00e3o do STF,\u00a0 publicado em 2017, que decidiu o Tema 173, em sede de repercuss\u00e3o geral, sobre a concess\u00e3o de benef\u00edcio assistencial a residentes estrangeiros residentes no Brasil. Segue abaixo a tese atualmente em aplica\u00e7\u00e3o:<\/p>\n ASSIST\u00caNCIA SOCIAL \u2013 ESTRANGEIROS RESIDENTES NO PA\u00cdS \u2013 ARTIGO 203, INCISO V, DA CONSTITUI\u00c7\u00c3O FEDERAL \u2013 ALCANCE. A assist\u00eancia social prevista no artigo 203, inciso V, da Constitui\u00e7\u00e3o Federal beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no Pa\u00eds, atendidos os requisitos constitucionais e legais. (RE 587970, Relator(a): Min. MARCO AUR\u00c9LIO, Tribunal Pleno, julgado em 20\/04\/2017, AC\u00d3RD\u00c3O ELETR\u00d4NICO REPERCUSS\u00c3O GERAL – M\u00c9RITO DJe-215 DIVULG 21-09-2017 PUBLIC 22-09-2017)<\/p>\n Oportuna a transcri\u00e7\u00e3o do seguinte par\u00e1grafo:<\/p>\n O or\u00e7amento, embora pe\u00e7a essencial nas sociedades contempor\u00e2neas, n\u00e3o possui valor absoluto. A natureza multif\u00e1ria do or\u00e7amento abre espa\u00e7o \u00e0 atividade assistencial, que se mostra de import\u00e2ncia superlativa no texto da Constitui\u00e7\u00e3o de 1988. N\u00e3o foram apresentadas provas t\u00e9cnicas da indisponibilidade financeira e do suposto impacto para os cofres p\u00fablicos nem, tampouco, de preju\u00edzo para os brasileiros natos e naturalizados, isso sem considerar, presumindo-se, que n\u00e3o s\u00e3o muitos os estrangeiros enquadr\u00e1veis na norma constitucional.<\/p>\n \u00c9 importante pedir-se provas, e n\u00e3o meras alega\u00e7\u00f5es.<\/p>\n \u00c0 luz do princ\u00edpio da universalidade, poder-se-ia defender a amplia\u00e7\u00e3o do crit\u00e9rio de renda mensal per capita. Al\u00e9m do mais, o benef\u00edcio assistencial pode ser associado aos direitos fundamentais \u00e0 sa\u00fade, \u00e0 vida e \u00e0 dignidade. No entanto, esse princ\u00edpio \u00e9 limitado por outros princ\u00edpios e, em termos pr\u00e1ticos, pela disponibilidade de recursos do pa\u00eds. Os princ\u00edpios da seletividade e da distributividade, por exemplo, permitem escolhas direcionadas para as pessoas com maior necessidade.<\/p>\n No centro de tudo, a solidariedade, que \u00e9 pressuposto para \u201ca a\u00e7\u00e3o cooperativa da sociedade, sendo condi\u00e7\u00e3o fundamental para a materializa\u00e7\u00e3o do bem-estar social […]\u201d[3]<\/a>A solidariedade entre trabalhadores imp\u00f5e a todos o custeio preferencialmente de presta\u00e7\u00f5es de natureza n\u00e3o programada. As contribui\u00e7\u00f5es sociais para a seguridade social \u201cn\u00e3o se fundam unicamente no crit\u00e9rio da referibilidade, ou seja, na rela\u00e7\u00e3o de pertin\u00eancia entre a obriga\u00e7\u00e3o imposta e o benef\u00edcio a ser usufru\u00eddo, pois \u2018seus objetivos visam permitir a universalidade da cobertura e do atendimento\u2019\u201d[4]<\/a>. \u00c9 por isso que o Estado determina o pagamento compuls\u00f3rio de contribui\u00e7\u00f5es. Ali\u00e1s, n\u00e3o existe solidariedade sem compulsoriedade, sem responsabilidade objetiva.<\/p>\n Para Alfredo J. Ruprecht: \u201c\u00c9 uma institui\u00e7\u00e3o profundamente humana. A sociedade imp\u00f5e eticamente a seus integrantes uma subordina\u00e7\u00e3o do interesse individual ao bem comum, isto \u00e9, exige for\u00e7osamente que haja solidariedade entre eles. A seguridade social adquire seu grande desenvolvimento quando imposta por via legal como obrigat\u00f3ria\u201d.[5]<\/a> Acredita-se, tamb\u00e9m, numa verdadeira mistura de comportamento auto-interessado e altru\u00edsta.<\/p>\n Se levarmos em conta a finalidade do Amparo Assistencial, a solidariedade, do ponto de vista da seguridade social, possui um escopo de atua\u00e7\u00e3o ainda mais amplo.<\/p>\n Nesse contexto, percebe-se uma verdadeira evolu\u00e7\u00e3o dos crit\u00e9rios de renda mensal, na legisla\u00e7\u00e3o e jurisprud\u00eancia, levando-se em conta a necessidade da prote\u00e7\u00e3o social. Tomamos como exemplo o crit\u00e9rio da idade m\u00ednima para concess\u00e3o do benef\u00edcio:<\/p>\n I \u2013 no per\u00edodo de 1\u00ba de janeiro de 1996 a 31 de dezembro de 1997, vig\u00eancia da reda\u00e7\u00e3o original do art. 38 da lei 8.742, de 1993, a idade m\u00ednima para o idoso era a de 70 (setenta) anos<\/em>;<\/p>\n <\/p>\n II \u2013 no per\u00edodo de 1\u00ba de janeiro de 1998 a 31 de dezembro de 2003, a idade m\u00ednima para o idoso passou a ser de 67 (sessenta e sete anos)<\/em>, em raz\u00e3o da Lei 9.720\/98;<\/p>\n <\/p>\n III \u2013 a partir de 1\u00ba de janeiro de 2004, com o Estatuto do Idoso (art. 34 c\/c art. 118, ambos da Lei 10.741\/03), a idade passou para 65 (sessenta e cinco) anos. Apesar da lei 10.741\/03 fixar a idade de 60 como paradigma para a qualifica\u00e7\u00e3o da pessoa como idoso, o benef\u00edcio assistencial restou limitado aos idosos necessitados com mais de 65 anos<\/em>.<\/p>\n O legislador admite que o sistema n\u00e3o foi capaz de manter o seu fim, devendo ser analisado abrandados os requisitos de acesso ao fornecimento de recursos elementares para a sobreviv\u00eancia digna do ser humano.<\/p>\n N\u00e3o passa de uma meia verdade a ideia de que a amplia\u00e7\u00e3o do crit\u00e9rio n\u00e3o consubstancia medida emergencial e tempor\u00e1ria voltada ao enfrentamento do contexto de calamidade da COVID-19, sob o argumento de que se trata de uma expans\u00e3o do benef\u00edcio ou de que \u00e9 necess\u00e1rio fazer uma distin\u00e7\u00e3o entre as medidas tempor\u00e1rias de combate \u00e0 crise do Coronav\u00edrus e as medidas expans\u00e3o permanente do gasto p\u00fablico.<\/p>\n A uma, porque o BPC \u00e9 um benef\u00edcio que tem como finalidade tirar o pobre da pobreza, e n\u00e3o mant\u00ea-lo, mormente a partir da amplia\u00e7\u00e3o da renda mensal, isto \u00e9, num momento de crise. Por outras palavras, ele n\u00e3o \u00e9 vital\u00edcio. A duas, existem projetos de lei que estabelecem uma manuten\u00e7\u00e3o tempor\u00e1ria para o BPC, considerando a pessoa com defici\u00eancia que vier a exercer atividade remunerada. A tr\u00eas, os benef\u00edcios n\u00e3o se excluem, eles suplementam-se mutuamente e podem, al\u00e9m disso, refor\u00e7ar uns aos outros, aumentando as capacidades das pessoas e conferindo dignidade humana. A quatro, n\u00e3o h\u00e1 como se prever o per\u00edodo de lat\u00eancia da crise.<\/p>\n A mudan\u00e7a legislativa sugerida vai ao encontro da realidade brasileira, da desigualdade social, raz\u00e3o pela qual o pr\u00f3prio Supremo Tribunal Federal confirmou a inconstitucionalidade do par\u00e1grafo 3\u00ba do artigo 20 da Lei Org\u00e2nica da Assist\u00eancia Social (Lei 8.742\/1993) que prev\u00ea como crit\u00e9rio para a concess\u00e3o de benef\u00edcio a idosos ou deficientes a renda familiar mensal\u00a0per capita\u00a0<\/em>inferior a um quarto do sal\u00e1rio m\u00ednimo, por considerar que esse crit\u00e9rio est\u00e1 defasado para caracterizar a situa\u00e7\u00e3o de miserabilidade. Foi declarada tamb\u00e9m a inconstitucionalidade do par\u00e1grafo \u00fanico do artigo 34 da Lei 10.471\/2003 (Estatuto do Idoso).<\/p>\n Essa orienta\u00e7\u00e3o jurisprudencial parece reafirmar a l\u00f3gica assumida da ADI 1.232\/DF Nesse sentido, Ta\u00eds Schilling Ferraz:[6]<\/a><\/p>\n N\u00e3o se afastou, por exemplo, a import\u00e2ncia de serem estabelecidos crit\u00e9rios na lei, que garantam um m\u00ednimo de objetividade aos requisitos para o gozo do benef\u00edcio, o que, portanto, n\u00e3o impede que a lei se refira \u00e0 renda familiar mensal per capita <\/em>m\u00ednima. Por\u00e9m, decidiu-se que este crit\u00e9rio, al\u00e9m de n\u00e3o ser interpretado como absoluto, sob pena de inconstitucionalidade, passou por modifica\u00e7\u00e3o, a partir da superveni\u00eancia de novas leis que, tratando de outros benef\u00edcios, abriram as portas para o reconhecimento da vulnerabilidade social tendo-se por par\u00e2metro a renda mensal per capita <\/em>de meio sal\u00e1rio m\u00ednimo no grupo familiar, e substitui\u00e7\u00e3o \u00e0 quarta parte do sal\u00e1rio m\u00ednimo antes utilizada como crit\u00e9rio<\/em>. (Grifo nosso).<\/p>\n O Decreto 6.135\/07, por exemplo, ao instituir o Cadastro \u00fanico para programas Sociais do Governo Federal, define como fam\u00edlia atendida aquela com renda familiar mensal per capita <\/em>de at\u00e9 meio sal\u00e1rio-m\u00ednimo, ou a que possua renda mental de at\u00e9 tr\u00eas sal\u00e1rios-m\u00ednimos (art. 4\u00ba).<\/p>\n N\u00e3o se pode estabelecer um \u201cgrau zero de sentido\u201d, como se a Lei 13.981\/2020 tivesse inaugurado um crit\u00e9rio novo. \u00c9 de se ver que o crit\u00e9rio de \u00bd ou \u00bc deve ser tratado como um ponto de partida (ou retorno), conforme orienta\u00e7\u00e3o do STF.\u00a0N\u00e3o se verifica uma mudan\u00e7a no conceito jur\u00eddico de \u201cincapacidade econ\u00f4mica\u201d, vale dizer:\u00a0 capaz de diminuir ou mudar o foco da a\u00e7\u00e3o do Estado, tampouco desorientar a a\u00e7\u00e3o dos indiv\u00edduos que comp\u00f5em a sociedade sujeita ao seu poder.<\/p>\n Acontece que a preocupa\u00e7\u00e3o do sistema com a seguran\u00e7a e previsibilidade faz com que se busque por crit\u00e9rios objetivos, numa tentativa de se controlar racionalmente a aplica\u00e7\u00e3o do Direito, o que n\u00e3o significa deixar de fora, da aplica\u00e7\u00e3o das regras, os princ\u00edpios da igualdade, coer\u00eancia, proporcionalidade (no sentido de insufici\u00eancia de prote\u00e7\u00e3o de um direito fundamental), para citar apenas estes, que devem ser analisados no caso concreto, diante da situa\u00e7\u00e3o f\u00e1tica apresentada. Ao passo que se reconhece a insufici\u00eancia de crit\u00e9rios objetivos para se definir o alcance do conceito de \u201cincapacidade econ\u00f4mica\u201d, bem assim a complexidade\u00a0 social, o novo crit\u00e9rio est\u00e1 mais pr\u00f3ximo das expectativas comportamentais normativas.\u00a0 Apesar de sua abertura cognitiva, o Direito tem menor capacidade de lidar com as frustra\u00e7\u00f5es de suas expectativas do que, por exemplo, o sistema da ci\u00eancia[7]<\/a>, cujo c\u00f3digo (verdade\/falsidade) est\u00e1 direcionado para a aquisi\u00e7\u00e3o constante de conhecimentos cient\u00edficos novos.[8]<\/a><\/p>\n Essa amplia\u00e7\u00e3o formal, portanto, \u00e9 plenamente adapt\u00e1vel \u00e0 necessidade de o Poder Executivo Federal envidar esfor\u00e7os para a aprova\u00e7\u00e3o de benef\u00edcios sociais tempor\u00e1rios que amenizem os impactos econ\u00f4micos negativos da pandemia do Covid-19. O Estado \u201cn\u00e3o pode aceitar a desgra\u00e7a alheia como resultado de sua falta de cuidado com o futuro \u2013 devem ser estabelecidos, obrigatoriamente, mecanismos de seguran\u00e7a social\u201d.[9]<\/a><\/p>\n Deve-se reconhecer, antes de tudo, que as pessoas n\u00e3o est\u00e3o em condi\u00e7\u00f5es de igualdade de oportunidades, com proposi\u00e7\u00e3o a novas pandemias e crises. Nessa dire\u00e7\u00e3o, Amartya Sen, em 2010:<\/p>\n A expans\u00e3o de oportunidades sociais serviu para facilitar o desenvolvimento econ\u00f4mico com alto n\u00edvel de emprego, criando tamb\u00e9m circunst\u00e2ncias favor\u00e1veis para a redu\u00e7\u00e3o das taxas de mortalidade e para o aumento da expectativa de vida. O contraste \u00e9 n\u00edtido com outros pa\u00edses de crescimento elevado \u2013 como o Brasil \u2013 que apresentaram um crescimento do PNB per capita quase compar\u00e1vel, mas tamb\u00e9m t\u00eam uma longa hist\u00f3ria de grave desigualdade social, desemprego e descaso com o servi\u00e7o p\u00fablico de sa\u00fade.<\/p>\n Deve-se, por isso, considerar as oportunidades sociais reais que as pessoas t\u00eam, sob pena de reproduzir ou aumentar as desigualdades, o que vale para m\u00e9dio e longo prazo, isto \u00e9, para o futuro. O Estado jamais poder\u00e1 aceitar ou ignorar a pobreza. Armando de Oliveira Assis tem raz\u00e3o: \u201co perigo, \u00e9 a amea\u00e7a a que fica exposta a coletividade diante da possibilidade de qualquer de seus membros, por esta ou aquela ocorr\u00eancia, ficar privado dos meios essenciais \u00e0 vida, transformando-se, destarte, num n\u00f3dulo de infec\u00e7\u00e3o no organismo social, que cumpre extirpar\u201d.[10]<\/a><\/p>\n Ao Estado \u00e9 muito mais valioso combater a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, pois, oferecer condi\u00e7\u00f5es materiais de vida digna e inclusa significa, ao mesmo tempo, diminuir a viol\u00eancia, a injusti\u00e7a, a explora\u00e7\u00e3o, a fome, as doen\u00e7as, a ignor\u00e2ncia etc. \u00c9 poss\u00edvel, na outra ponta, se diminuir as presta\u00e7\u00f5es assistenciais ou o chamado \u201cassistencialismo\u201d, com a promo\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os de sa\u00fade, educa\u00e7\u00e3o escolar, emprego com remunera\u00e7\u00e3o adequada, redu\u00e7\u00e3o dos riscos no meio ambiente do trabalho, pol\u00edticas de inclus\u00e3o da pessoa idosa, etc.<\/p>\n O crescimento econ\u00f4mico n\u00e3o \u00e9 tudo, digo, o pa\u00eds n\u00e3o precisa esperar at\u00e9 a economia melhorar ou a pandemia passar: \u201cO processo conduzido pelo custeio p\u00fablico \u00e9 uma receita para a r\u00e1pida realiza\u00e7\u00e3o de uma qualidade de vida melhor, e isso tem grande import\u00e2ncia para as pol\u00edticas, mas permanece um excelente argumento para passar-se da\u00ed a realiza\u00e7\u00f5es mais amplas que incluem o crescimento econ\u00f4mico e a eleva\u00e7\u00e3o das caracter\u00edsticas cl\u00e1ssicas da qualidade de vida.\u201d[11]<\/a><\/p>\n N\u00e3o estamos falando de \u201cluxo\u201d. Quem defende a justi\u00e7a social o faz em raz\u00e3o, exatamente, do seu compromisso com a igualdade social, a redu\u00e7\u00e3o da pobreza e a prote\u00e7\u00e3o de vulner\u00e1veis\/minorias, e n\u00e3o apesar disso. \u00c9 necess\u00e1rio o debate, na busca de aperfei\u00e7oamento.<\/p>\n A diminui\u00e7\u00e3o da atividade econ\u00f4mica trar\u00e1 impacto especial \u00e0 popula\u00e7\u00e3o mais pobre \u2013 justamente a parcela que mais se beneficiar\u00e1 com a atualiza\u00e7\u00e3o do BPC, o que foi citado pelo Ministro Bruno Dantas[12]<\/a> ao justificar a revoga\u00e7\u00e3o da liminar anteriormente concedida em favor da Uni\u00e3o.<\/p>\n No que diz respeito \u00e0 jurisprud\u00eancia do STF reconhecer a necessidade de estimativa do impacto or\u00e7ament\u00e1rio e financeiro, h\u00e1 que se considerar duas coisas:<\/p>\n Primeiro, a Emenda Constitucional 95, de 2016, n\u00e3o apenas instituiu um novo regime fiscal, como estabeleceu a necessidade de um estudo de impacto or\u00e7ament\u00e1rio e financeiro<\/em> sempre que alguma proposi\u00e7\u00e3o legislativa criar ou alterar despesas obrigat\u00f3rias ou ren\u00fancia de receita exatamente, por for\u00e7a dos artigos 113 e 114 da ADCT.\u00a0 H\u00e1 situa\u00e7\u00f5es, portanto, em que proposi\u00e7\u00f5es legislativas v\u00e3o depender desse estudo, exatamente, para an\u00e1lise de sua compatibilidade com o novo regime fiscal, in verbis<\/em>.<\/p>\n Art. 113. A proposi\u00e7\u00e3o legislativa que crie ou altere despesa obrigat\u00f3ria ou ren\u00fancia de receita dever\u00e1 ser acompanhada da estimativa do seu impacto or\u00e7ament\u00e1rio e financeiro.<\/p>\n <\/a>Art. 114. A tramita\u00e7\u00e3o de proposi\u00e7\u00e3o elencada no\u00a0caput do art. 59 da Constitui\u00e7\u00e3o Federal,<\/a><\/u>\u00a0ressalvada a referida no seu inciso V, quando acarretar aumento de despesa ou ren\u00fancia de receita, ser\u00e1 suspensa por at\u00e9 vinte dias, a requerimento de um quinto dos membros da Casa, nos termos regimentais, para an\u00e1lise de sua compatibilidade com o Novo Regime Fiscal.<\/p>\n O estudo de impacto or\u00e7ament\u00e1rio e financeiro <\/em>nada mais \u00e9 \u2013 e por isso muito<\/em> \u2013 uma avalia\u00e7\u00e3o, efetuada por uma equipe de t\u00e9cnicos, apresentando alternativas que podem ser tomadas para,\u00a0 se for o caso, compatibilizar a proposi\u00e7\u00e3o legislativa com o novo regime fiscal. Tais estudos possibilitam a observa\u00e7\u00e3o e a forma\u00e7\u00e3o de v\u00ednculos obrigacionais com o futuro, fornecendo a motiva\u00e7\u00e3o necess\u00e1ria para suscitar os efeitos indesejados\/negativos \u2013 assim como o estudo de impacto ambiental (CF\/88, art. 225, IV).<\/p>\n At\u00e9 mesmo no caso de redu\u00e7\u00e3o de despesas, a limita\u00e7\u00e3o do teto dos gastos, que vigorar\u00e1 por vinte exerc\u00edcios financeiros, pode impossibilitar a abertura de or\u00e7amento suplementar para cobrir eventual aumento da necessidade de prote\u00e7\u00e3o social. Nesse sentido, n\u00e3o existe um pacto social poss\u00edvel a autorizar a reforma da previd\u00eancia social, n\u00e3o apenas por aus\u00eancia de uma verdadeira igualdade em sua celebra\u00e7\u00e3o, mas em raz\u00e3o da falta de um estudo de impacto or\u00e7ament\u00e1rio e financeiro<\/em>, um v\u00edcio insan\u00e1vel.<\/p>\n Na verdade, as condi\u00e7\u00f5es previstas no art. 195, \u00a75\u00b0, da CF, art. 113 do ADCT, bem como nos arts. 17 e 24 da LRF e ainda do art. 114 da LDO n\u00e3o foram observadas em nenhuma das medidas tomadas. Ou assim se precede em todos os casos ou se reconhece a desnecessidade ou impossibilidade para todas as hip\u00f3teses. Devemos, contudo, cuidar com essa observa\u00e7\u00e3o, sob pena de tal cr\u00edtica transformar-se numa tend\u00eancia ou justificativa para se autorizar um v\u00edcio constitucional. Para o bem ou para o mal, o caminho n\u00e3o poder\u00e1 ser o de abrir as portas do Direito para algo inconstitucional, com a manipula\u00e7\u00e3o do princ\u00edpio da preced\u00eancia do custeio. A situa\u00e7\u00e3o hermen\u00eautica precisa ser compreendida.<\/p>\n No RE 415.454-4, concluiu-se que a lei que majora benef\u00edcio previdenci\u00e1rio deve, necessariamente e de modo expresso, indicar a fonte de custeio total (CF, art. 195, \u00a7 5o), em receita n\u00e3o pode haver despesa. Isso deveria valer para a aplica\u00e7\u00e3o de novos crit\u00e9rios de c\u00e1lculo a todos os benefici\u00e1rios, inclusive a Lei 9.032\/1995, que implicou a majora\u00e7\u00e3o das pens\u00f5es. Apesar de o Supremo Tribunal Federal dar um al\u00edvio para a seguridade social, impedindo que pens\u00f5es concedidas antes de 1995 cheguem a 100% do sal\u00e1rio benef\u00edcio do segurado, n\u00e3o foi exigida a fonte de custeio para a mudan\u00e7a institu\u00edda pela pr\u00f3pria Lei 9.032\/1995.\u00a0Al\u00e9m do princ\u00edpio tempus regit actum <\/em>quanto ao momento do fato gerador para a concess\u00e3o de benef\u00edcios nas rela\u00e7\u00f5es previdenci\u00e1rias, a falta de implementa\u00e7\u00e3o das condi\u00e7\u00f5es previstas no art. 195, \u00a75\u00b0, da CF foi, em \u00faltima an\u00e1lise, justificada nas mudan\u00e7as normativas.<\/p>\n Sobre a diverg\u00eancia que, nesse julgado, gravita em torno da fonte de custeio para tal ajuste: \u201cN\u00e3o h\u00e1 nenhuma d\u00favida de que o legislador se preocupou e observou o artigo 195 da Constitui\u00e7\u00e3o, encontrando e enumerando as fontes de custeio\u201d, afirmou o ministro Cezar Peluso. Ele fez coro ao ministro Britto: \u201cO sil\u00eancio da lei s\u00f3 pode significar tratamento ison\u00f4mico a todos os benefici\u00e1rios do sistema previdenci\u00e1rio\u201d.<\/p>\n Ademais, o princ\u00edpio da preced\u00eancia do custeio n\u00e3o pode significar apenas majora\u00e7\u00e3o. Qualquer medida, para ampliar ou restringir o acesso a qualquer benef\u00edcio, precisa vir acompanhada do respectivo c\u00e1lculo, por uma quest\u00e3o de coer\u00eancia em princ\u00edpio.<\/p>\n De qualquer maneira, h\u00e1 que se considerar essas profundas mudan\u00e7as no sistema de seguridade social, notadamente desde a EC 20\/1998, passando pela EC 41\/2003, at\u00e9 chegar num ponto de quase ruptura, representado pela EC 103\/2019,\u00a0 no sentido de se ter criado, de forma obl\u00edqua, a fonte de custeio necess\u00e1ria para se amparar a mudan\u00e7a no crit\u00e9rio de renda mensal per capita, com foco no m\u00ednimo existencial, isto \u00e9, no fornecimento de recursos elementares para a sobreviv\u00eancia digna do ser humano.<\/p>\n \u00c9 importante destacar que a EC 103\/2019 n\u00e3o apenas deixou de cobrir os velhos riscos sociais, mas os potencializa, dificultando o acesso aos benef\u00edcios previdenci\u00e1rios e diminuindo o seu valor, aumentando, tamb\u00e9m, os riscos (de acidentes e doen\u00e7as ocupacionais) no meio ambiente do trabalho, j\u00e1 que muitas pessoas ter\u00e3o que trabalhar, no m\u00ednimo, at\u00e9 62 anos, de mulher, e 65 anos, se homem. Ap\u00f3s um estudo de sinistralidade, em que analisados 3.526.911 acidentes de trabalho, divididos em dois grupos, abaixo de 55 anos<\/em> e acima de 55 anos <\/em>de idade, conclui-se que os acidentes mais graves ou mortais ocorreram com os trabalhadores acima de 55 anos e que a idade era um fator determinante para o desenlace fatal ou grave nas metal\u00fargicas, extra\u00e7\u00e3o de min\u00e9rios e ind\u00fastria de madeiras.[13]<\/a><\/p>\n Paradoxalmente, verifica-se, nisso, um refor\u00e7o do princ\u00edpio da solidariedade, j\u00e1 que todos, segurados e servidores p\u00fablicos, dever\u00e3o contribuir mais e por mais tempo (e receber por menos tempo). Deve ter ficado claro, a EC 103 n\u00e3o criou o financiamento, direto ou indireto, para amplia\u00e7\u00e3o do crit\u00e9rio da renda mensal, tampouco serve para afastar a exig\u00eancia constitucional da correspondente fonte de custeio; mas refor\u00e7a a solidariedade \u2013 a solidariedade com seu interesse voltado para os mais carentes. A assist\u00eancia deve atender a todos, com financiamento por meio de impostos, arrecadados de toda a sociedade. Percebe-se, claramente, que a solidariedade \u00e9 mais forte em mat\u00e9ria de benef\u00edcios assistenciais.<\/p>\n Art. 195. A seguridade social ser\u00e1 financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos or\u00e7amentos da Uni\u00e3o, dos Estados, do Distrito Federal e dos Munic\u00edpios, e das seguintes contribui\u00e7\u00f5es sociais:\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0(Vide Emenda Constitucional n\u00ba 20, de 1998)<\/a><\/p>\n <\/a><\/a><\/a>I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0(Reda\u00e7\u00e3o dada pela Emenda Constitucional n\u00ba 20, de 1998)<\/a><\/p>\n <\/a>a) a folha de sal\u00e1rios e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer t\u00edtulo, \u00e0 pessoa f\u00edsica que lhe preste servi\u00e7o, mesmo sem v\u00ednculo empregat\u00edcio;\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0(Inclu\u00eddo pela Emenda Constitucional n\u00ba 20, de 1998)<\/a><\/p>\n <\/a>b) a receita ou o faturamento;\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0(Inclu\u00eddo pela Emenda Constitucional n\u00ba 20, de 1998)<\/a><\/p>\n <\/a>c) o lucro;\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0(Inclu\u00eddo pela Emenda Constitucional n\u00ba 20, de 1998)<\/a><\/p>\n <\/a><\/a>II – do trabalhador e dos demais segurados da previd\u00eancia social, podendo ser adotadas al\u00edquotas progressivas de acordo com o valor do sal\u00e1rio de contribui\u00e7\u00e3o, n\u00e3o incidindo contribui\u00e7\u00e3o sobre aposentadoria e pens\u00e3o concedidas pelo Regime Geral de Previd\u00eancia Social;\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 \u00a0(Reda\u00e7\u00e3o dada pela Emenda Constitucional n\u00ba 103, de 2019)<\/a><\/p>\n <\/a>III – sobre a receita de concursos de progn\u00f3sticos.<\/p>\n <\/a>IV – do importador de bens ou servi\u00e7os do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0(Inclu\u00eddo pela Emenda Constitucional n\u00ba 42, de 19.12.2003)<\/a><\/p>\n A diretriz axiol\u00f3gica para a cria\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas p\u00fablicas e interpreta\u00e7\u00e3o\/aplica\u00e7\u00e3o das normas de prote\u00e7\u00e3o social, no interior de um Estado Democr\u00e1tico de Direito, \u00e9 a justi\u00e7a social. Falar de justi\u00e7a n\u00e3o \u00e9 coisa f\u00e1cil. No centro do debate est\u00e1 a sua rela\u00e7\u00e3o com a pobreza. N\u00e3o parece \u00f3bvio, nem mesmo hodiernamente. A pobreza (a indig\u00eancia) j\u00e1 foi encarada como uma forma de puni\u00e7\u00e3o divina. Na vis\u00e3o do sistema, ao pobre cabia arcar com as consequ\u00eancias de sua condi\u00e7\u00e3o, quer seja devido ao pecado ou por pregui\u00e7a. Ele n\u00e3o fazia jus sequer \u00e0 caridade.[14]<\/a><\/p>\n Com isso n\u00e3o se sustenta que a pobreza \u00e9, por si s\u00f3, uma viola\u00e7\u00e3o de v\u00e1rios direitos humanos fundamentais. Deve-se analisar os diferentes conceitos de pobreza para se definir qual o par\u00e2metro adotado pela norma constitucional (art. 203), a fim de se considerar, at\u00e9 mesmo, suposto nexo conceitual entre \u201cincapacidade econ\u00f4mica\u201d e direitos humanos.<\/p>\n Segundo Fernanda Doz Costa, nos estudos sobre pobreza, este termo tem sido empregado, em geral, de tr\u00eas formas: pobreza com base na renda; como priva\u00e7\u00e3o de capacidades e, por fim, pobreza como equivalente \u00e0 exclus\u00e3o social:<\/p>\n I.A.1. Pobreza com base na renda<\/p>\n <\/p>\n Definir pobreza como falta de renda ou de poder aquisitivo tornou-se um uso convencionalmente aceito deste termo.20 De acordo com Jeffrey Sachs, h\u00e1 um consenso geral em subdividir a pobreza com base na renda em tr\u00eas esp\u00e9cies: pobreza extrema (ou absoluta), pobreza moderada e pobreza relativa. <\/p>\n I.A.2. Pobreza como priva\u00e7\u00e3o de capacidades<\/p>\n <\/p>\n Nas \u00faltimas duas d\u00e9cadas, as teorias sobre pobreza passaram a empregar o conceito de bem-estar, indo al\u00e9m da renda como crit\u00e9rio \u00faltimo de pobreza.24 Esta mudan\u00e7a se deu, principalmente, a partir do Relat\u00f3rio de Desenvolvimento Humano (sigla original, HDR) elaborado pelo PNUD, sob a clara influ\u00eancia da \u2018perspectiva da capacidade\u2019 proposta por Amartya Sen, que define a pobreza como uma \u2018priva\u00e7\u00e3o de capacidades\u2019. A teoria de Sen relaciona pobreza \u00e0 ideia de \u2018vidas empobrecidas\u2019, afirmando que a condi\u00e7\u00e3o de pobreza est\u00e1 ligada \u00e0s priva\u00e7\u00f5es das liberdades b\u00e1sicas que as pessoas podem desfrutar e, decerto, desfrutam. Estas priva\u00e7\u00f5es referem-se, inclusive, \u00e0 liberdade de obter uma nutri\u00e7\u00e3o satisfat\u00f3ria, de desfrutar um n\u00edvel de vida adequado, de n\u00e3o sofrer uma morte prematura e de ler e escrever.25 Esta perspectiva reconhece que priva\u00e7\u00f5es de liberdades t\u00e3o fundamentais como essas n\u00e3o podem ser exclusivamente atribu\u00eddas \u00e0 baixa renda; decorrem igualmente de priva\u00e7\u00f5es sistem\u00e1ticas no acesso a outros bens, servi\u00e7os e recursos necess\u00e1rios para a subsist\u00eancia e desenvolvimento humanos, al&eac<\/p>\n <\/p>\n Diretoria Cient\u00edfica do IBDP<\/strong><\/p>\n Nota originalmente publicada em\u00a014\/04\/2020.<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" A assist\u00eancia social ser\u00e1 prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribui\u00e7\u00e3o \u00e0 seguridade social, e tem por objetivos: \u201c[….] a garantia de um sal\u00e1rio m\u00ednimo de benef\u00edcio mensal \u00e0 […]<\/p>\n","protected":false},"author":3,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[15],"tags":[],"class_list":["post-1486","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-notas-tecnicas"],"aioseo_notices":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/backup.ibdp.org.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/1486","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/backup.ibdp.org.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/backup.ibdp.org.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/backup.ibdp.org.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/backup.ibdp.org.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=1486"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/backup.ibdp.org.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/1486\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/backup.ibdp.org.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=1486"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/backup.ibdp.org.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=1486"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/backup.ibdp.org.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=1486"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}
\n\u2018Pobreza extrema refere-se \u00e0 condi\u00e7\u00e3o em que as fam\u00edlias n\u00e3o conseguem nem ao menos ter acesso a meios b\u00e1sicos de subsist\u00eancia. Elas s\u00e3o assoladas pela fome cr\u00f4nica, n\u00e3o conseguem ter acesso a tratamento de sa\u00fade, n\u00e3o desfrutam de \u00e1gua pot\u00e1vel segura e sistema de saneamento b\u00e1sico, n\u00e3o possuem condi\u00e7\u00f5es de custear a educa\u00e7\u00e3o de algumas ou de todas as suas crian\u00e7as, e por vezes s\u00e3o desprovidas de condi\u00e7\u00f5es elementares de moradia e itens b\u00e1sicos de vestimenta, como sapatos. Ao contr\u00e1rio da pobreza moderada e da relativa, a pobreza extrema somente \u00e9 encontrada nos pa\u00edses em desenvolvimento. Pobreza moderada, por sua vez, geralmente diz respeito \u00e0s condi\u00e7\u00f5es nas quais as necessidades b\u00e1sicas s\u00e3o supridas, embora com grande dificuldade. Por fim, pobreza relativa, geralmente, \u00e9 definida como uma renda familiar abaixo da m\u00e9dia nacional. Em pa\u00edses com uma m\u00e9dia de renda elevada, os relativamente pobres n\u00e3o t\u00eam acesso \u00e0 cultura, entretenimento, lazer e a um tratamento de sa\u00fade e educa\u00e7\u00e3o de qualidade, entre outros pr\u00e9-requisitos para a mobilidade social.\u201921
\nO Banco Mundial utiliza este paradigma para calcular a renda, al\u00e9m de estabelecer a chamada \u2018linha de pobreza\u2019 (1 d\u00f3lar por dia medido em termos de paridade do poder aquisitivo) – abaixo desta linha est\u00e3o aqueles em condi\u00e7\u00e3o de pobreza extrema.22 O Banco Mundial estabelece outra par\u00e2metro referente \u00e0 renda entre 1 e 2 d\u00f3lares por dia, \u00fatil para mensurar a chamada pobreza moderada.23<\/p>\n